sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Narcotráfico



Uma das cenas mais transmitidas e retransmitidas pela TV na passagem de ano foi a da Igreja da Penha, na cidade do Rio de Janeiro, bem iluminada e com fogos brindando a população da zona norte do Rio com luz e alegria pela  passagem do ano e a eliminação do tráfico na comunidade.   

Igreja da Penha
O Estado do Rio de Janeiro  com a decisão política forte de um governador brilhante, através da  sua secretaria de segurança pública e  da ação consistente da elite das polícias civil, militar e federal deram orgulho ao país mostrando que o Estado PODE e DEVE tomar medidas impactantes para o bem-estar social; e população precisa dessa vontade de potência.  Mas passado o festejo, o problema continuará. Embora o Rio seja o local onde a questão do narcotráfico é mais visível, trata-se de um problema nacional.

 Cannabis sativa
  
Infelizmente não tenho visto nenhum debate consistente na grande mídia sobre a questão do tráfico de substâncias ilícitas que largamente consumidas no Brasil e em todo mundo não islâmico, ligam-se a marginalidade. A inconsistência dos debates deve-se à falsa premissa de que a resolução do problema é eliminar o consumo e, com ele, os traficantes e toda sorte de mazelas trazidas por eles. A questão não é “tão simples”: envolve economia, consumidores, fornecedores, redes de distribuição, formas de comercialização. Para tratar do tema de maneira mais abrangente busquei dados oficiais sobre o consumo de substâncias psicoativas no Brasil.  Os dados aqui apresentados foram retirados de pesquisa realizada pela Secretaria Nacional Antidrogas e se encontram disponíveis no site http://www.senad.gov.br.

Muito embora a SNAD considere o álcool e o tabaco drogas psicoativas em nada separadas quanto a questões de saúde pública das drogas ilícitas, não os  abordarei, mas darei foco apenas a maconha e a  cocaína, por serem a base do que se denomina de narcotráfico no Brasil. Segundo a SENAD:
“Os dados do uso na vida de Maconha, em 2001, foram de 6,9% aumentando para 8,8% em 2005. Em comparação a outros países, foram próximos aos resultados da Grécia (8,9%) e Polônia (7,7%), porém muito abaixo do observado nos EUA (40,2%), Reino Unido (30,8%), França (26,2%), Alemanha (24,5%), Itália (22,4%), Chile (22,4%) e Suécia com 13,8% (CONACE, 2006; E.M.C.D.D.A., 2006; SAMHSA, 2006).”

Pelo dito acima, percebe-se que o brasileiro consome muito pouca maconha. Os Estados Unidos são um país de maconheiros. Os comportados súditos de Queen Elizabeth gostam de uma marijuana amuada, da mesma forma que franceses, italianos e (pasmem) o conservador povo chileno. Até mesmo na fria Suécia, o consumo de maconha é maior do que no Brasil. Nesse aspecto um detalhe técnico não especificado na pesquisa do SNAD deve ser mencionado. A maconha usada na Europa e em parte dos EUA é a Cannabis índica com teores de Tetraidrocanabinol (THC) bem superiores ao da Cannabis sativa consumida no Brasil.

Sobre o consumo de cocaína e crack a SENAD afirma:

“A prevalência sobre o uso na vida de Cocaína nas 108 maiores cidades do Brasil, em 2005, foi de 2,9% (equivale a 1.459.000 pessoas) e de 2,3% em 2001. Aquela porcentagem é relativamente próxima às encontradas na Alemanha (3,2%), porém bem inferior a países como EUA (14,2%), Reino Unido (6,8%), Chile (5,3%) e Itália (4,6%) (CONACE, 2006; E.M.C.D.D.A., 2006; SAMHSA, 2006).
Em relação ao uso na vida de “Crack”, a porcentagem foi de 1,5% para o sexo masculino, dados de baixa precisão quando da expansão, o que corresponderia a aproximadamente 371.000 pessoas do sexo masculino que já teriam tido contato com essa forma de cocaína. Esta porcentagem brasileira de 1,5% é bem inferior ao observado nos EUA com 3,3% (SAMHSA, 2006). O uso na vida de Merla (outra forma de cocaína) apareceu apenas com prevalência de 0,2%.”

Consumimos muito pouca cocaína. Novamente os estatudinenses são campeões, os súditos da Queen Elizabeth seguem firmemente na segunda posição e o Chile, imensa surpresa, consome mais que o dobro que o Brasil. Nosso consumo de crak é irrisório (embora cada vez mais evidente entre os moradores de rua). Já a merla (uma espécie de pasta de coca), simplesmente não deve ser levada em conta.

Dados não falam por si, mas podem se manifestar de maneira muito forte. Os acima apresentados mostram que consumimos muito pouco das principais drogas ilícitas usadas no ocidente. A questão é entender como um consumo tão baixo gerou e gera tanta violência.

A miséria não traz bondade nem beleza, mas fealdade, dor, violência e loucura. Dê-lhe uma atividade econômica rentável e ilegal e temos uma mistura nefasta em defesa de um interesse vital na sociedade: o interesse econômico. É que economia é vida...!

Tomando como exemplo a maconha, na cidade de Natal-RN, a venda de 50 gramas ao consumidor varia de 60 reais a 180 reais. A variação de preços depende de alguns fatores, sendo o principal (na verdade o determinante) a capacidade que o comprador tem de encontrar um fornecedor de qualidade: quanto melhor o fornecedor menor o preço (a lógica determinaria que fosse o contrário, mas não é). Um simples exercício matemático irá mostrar que a tais preços, o quilo de maconha é vendido ao consumidor entre R$ 1.200,00 e R$ 3.600,00. É muito dinheiro, pois a maconha vendida é mato sem qualquer tipo de agregação de valor. Não há nenhum produto da agricultura, da pecuária, da aquacultura, da pesca ou da produção de matéria prima para biocarburantes que consiga tanto dinheiro por um quilograma de produto (talvez a exceção seja o caviar russo feito de ovas de esturjão que devido à pesca excessiva se tornou uma atividade grandemente ligada à ilegalidade e marginalidade).

Com tanta lucratividade em jogo, mesmo com um público consumidor pequeno, podem matar todos os traficantes perigosos (aliás, devem ser mortos mesmo), mas surgirão outros, sempre. Também aqui a coisa é mais complexa. No sistema de venda de maconha, existem os traficantes não marginais (ilegais, claro, mas não inseridos no mundo violento da boca) que vivem numa linha tênue entre continuar o comércio que  sustenta a família - ou lhe serve de renda adicional -  cair em desgraça legal ou mesmo  com traficantes violentos. A alternativa de deixar a atividade não é fácil de ser tomada, pois estamos tratando de sobrevivência sócio-econômica num cenário onde tudo falta e caso o indivíduo saia do ramo, outro tomará o seu lugar. Ademais, esse tipo de vendedor é bastante procurado por consumidores com níveis de renda e escolaridades superiores (médicos, engenheiros, jornalistas, juízes, procuradores, padres, pastores, rabinos, políticos, etc.), pois dão a segurança de um ambiente de compra sem violência.

Apreensão de cocaína e crack


Da mesma forma com que o Estado retomou o poder de maneira brilhante no Rio de Janeiro, a manutenção desse poder não se sustenta por armas (nenhum poder se mantém por armas de forma consistente, e os impérios sabem disso, pois mataram, matam e matarão em tantas guerras passadas, presentes e futuras). É preciso também retirar do narcotráfico a produção e distribuição de maconha e cocaína, como uma das formas de intervenção direta no câncer que é econômico, desmantelando a estrutura de produção e distribuição que alimenta a bandidagem.

O mercado não mente. Atualmente, em todas as cidades de porte médio ou grande do Brasil, em qualquer loja de conveniência de postos de gasolina, bancas de revista e tabacarias, a venda de produtos para fumar maconha não apenas é totalmente liberada como bastante variada no que tange as marcas e qualidade dos mesmos. São cachimbos, papéis para fazer o cigarro de maconha, maquinetas para confeccionar o cigarro (para aqueles com poucas habilidades manuais), filtros, piteiras, destravadores etc. Se tudo isso está sendo vendido em estabelecimentos absolutamente legais, cujos proprietários não são consumidores (vendem, pois entenderam que existe um mercado consumidor para um tipo de mercadoria que dá lucro) é um sinal mais que evidente que vivenciamos um fenômeno bem brasileiro: a lei que não pega. E a lei não pega, pois vai de encontro à realidade da cotidianidade (é o mesmo fenômeno do aborto, só que bem mais aberto).

Particularmente não concordo com a liberação total do uso de maconha e cocaína pelo simples motivo de que, uma vez ocorrendo tal liberalização, a produção passará a ser industrial com todos os mecanismos de mídia para incentivar o consumo (negócio é negócio).   Isso acarretará um somatório problemas decorrentes do uso massificado de álcool e tabaco, ou seja, teremos mais substâncias psicoativas vendidas em larga escala. Mas não vejo nenhuma saída viável que não passe pela legalização sob controle forte do Estado da produção e consumo. Sob que forma seria feito isso? Bem, aí é outra questão a ser discutida (e muito discutida).

Los hermanos argentinos descriminalizaram o uso de maconha para consumo de adultos em ambiente privado desde que (obviamente) não cause riscos a terceiros. No México a questão vem sendo tratada de maneira muito inteligente, com o Estado atuando na forma de lei sobre o plantio comercial e para uso individual, importação, venda etc. QUANDO NÓS IREMOS TRATAR DA QUESTÃO? OU CONTINUAREMOS A MENTIR PRA NÓS MESMOS (É SEMPRE A PIOR MENTIRA).

Um comentário:

  1. Buca...

    a matéria é ótima... mas eu fico, particularmente, preocupada com a situação do RJ... me parece que a polícia e os bandidos fizeram um contrato... ou seria mta incompetência deixar aquela saída para centenas de traficantes...

    Que o cara se mijou?! Tá, um, dois, dez que sejam... mas como vc disse... tem outro no lugar...

    Vivemos, infelizmente, num país onde as pessoas se preocupam apenas com seu lar... seus filhos e só começam a discutir sobre esses temas qdo a água lhes toca a bunda...

    Sejamos sensatos... somos um país sem opinião... falta tomar partido das coisas e discuti-las de verdade... Drogas, aborto, educação de qualidade, consumo de alimentos e produtos... as pessoas simplesmente vivem... não pensam mto (deve dar trabalho)

    Estou reticente hj... rs

    bjks

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